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Paqueta
A Ilha de Paquetá, um velho ícone da Baía de Guanabara, não tem saneamento. Foto: Wikimedia.
RIO – A Ilha de Paquetá, no meio da Baía de Guanabara, tem oito belas praias. Mas seis delas estão impróprias para o lazer de seus 4.500 moradores na maior parte dos meses do ano. Em dezembro de 2013, o governo do Rio tirou da cartola uma solução para mudar essa rotina: a construção de uma tubulação de 9,5 quilômetros, ligando os dejetos da ilha à estação de tratamento de esgotos (ETE) de São Gonçalo. Uma elevatória com capacidade para bombear 100 litros de esgoto por segundo garantia o sucesso da operação. Parecia uma alternativa estranha abandonar uma antiga estação de tratamento de Paquetá, considerada problemática pela Cedae, e mandar, sob a baía, os esgotos para a cidade vizinha resolver. Mas técnicos garantiam que era a melhor solução possível – a mais barata, certamente.
Dois anos e oito meses depois, a situação é melancólica. A obra, de R$ 34 milhões, foi abandonada antes do término e o governo terá que licitar novamente o trecho terrestre do duto, em  Paquetá. Construída há 18 anos, a estação de São Gonçalo, que receberia o esgoto da aprazível ilha, continua operando com menos da metade de sua capacidade. O projeto estava no calendário de exigências do Comitê Olímpico Internacional (COI) para os Jogos Olímpicos do Rio. Pedi ao presidente da Cedae, Jorge Briard, mais detalhes sobre os motivos do abandono. A empreiteira vai devolver o dinheiro? Não obtive resposta.
"Grandes troncos coletores que irão captar todo o esgoto das favelas da Maré, do Complexo do Alemão, do Jacarezinho e de Manguinhos, na Zona Norte do Rio, sequer saíram do papel."
O caso resume com precisão a lógica que ainda domina nas obras de saneamento na bacia da Baía de Guanabara. Perda de prazos, de dinheiro e falta de transparência são leis por aqui. O resultado não poderia ser outro: aproximadamente 18 mil litros por segundo de esgoto são despejados na Guanabara. As oito estações de tratamento, construídas desde 1998, operam com menos da metade de suas capacidades. Cidades inteiras padecem sem saneamento básico.
Casos absurdos se sucedem. O “deixa para depois” domina. Até obras no coração do Rio de Janeiro sofrem enormes atrasos. Outra intervenção olímpica, o tronco coletor Cidade Nova, que levaria os esgotos de 200 mil moradores de seis bairros até a estação de Alegria, no Caju, está diante de um impasse. A tubulação se deparou, no subsolo, com um projeto imobiliário de uso misto, incluindo shopping, empreendimentos residenciais e comerciais e hotéis, no antigo Gasômetro, ao lado da rodoviária. Não há espaço destinado à passagem do duto – e nem houve espaço para um planejamento adequado.
Grandes troncos coletores (Faria-Timbó e Manguinhos), que irão captar todo o esgoto das favelas da Maré, do Complexo do Alemão, do Jacarezinho e de Manguinhos, na Zona Norte do Rio, sequer saíram do papel. Foram incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, e abatidos, claro, pela crise financeira.
Como avançar nesse cenário tenebroso? O superintende de Planejamento da Câmara Metropolitana da Secretaria de Governo do Rio, Luiz Firmino, defende um modelo de construção de galerias em tempo seco. São estruturas mais simples que capturam o esgoto nas galerias de águas pluviais – uma realidade bastante comum em 16 das 16 cidades que circundam a baía. Essas estações em tempo seco funcionam muito bem... quando não chove.
“Copacabana e Leblon têm, desde a década de 1960, cinturão de tempo seco, que pega tudo o que vêm nas manilhas pluviais. Não há como evitar lançamentos ilegais nas redes pluviais. Venho defendendo um cinturão metropolitano de esgoto, que interceptará em tempo seco os esgotos das galerias”, defende Firmino. “No entorno da baía há as estações de tratamento de esgotos prontas. É possível rapidamente interceptar o esgoto da Maré, por exemplo, e mandar pras estações. A questão não é abandonar a rede formal, separando água e esgoto. Mas avançarmos, etapa por etapa. A fase A, inicial, seria esse sistema de tempo seco. A Lagoa de Araruama só foi recuperada por causa desse sistema em tempo seco”.
A formalização de um novo ente para discutir as políticas de saneamento é objeto de um projeto de lei que está na Assembleia legislativa do Rio. Cada cidade tem um peso diferente nas assembleias, o que já vem causando impasses.
*Emanuel Alencar é autor do livro “Baía de Guanabara – Descaso e Resistência”, cuja versão impressa pode ser comprada aqui, ou ter o seu PDF baixado aqui
Mapa Ilha de Paquetá