segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Ibama e PF flagram turismo ilegal, pesca predatória e caça no Alto Xingu


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Barco e equipamentos foram destruídos após agentes terem sido recebidos com má vontade pelo piloteiro do barco. Foto: Ibama.
No início deste mês, a Gerência do Ibama de Barra do Garças, com o apoio da Polícia Federal, realizou uma operação de fiscalização na Terra Indígena Pequizal do Naruvotu, localizada nos municípios de Canarãna e Gaúcha do Norte, em Mato Grosso, ao sul do Parque Indígena do Xingu.
Durante a investida, realizada nos rios Sete de Setembro e Kuluene, formadores do Xingu, os agentes multaram nove pessoas e uma pousada, além de apreenderem 170 quilos de pescado, dez quilos de carne de animais silvestres, duas espingardas, cinco motores de popa e um gerador de energia. Alguns barcos de alumínio e estoques de bebidas alcoólicas que eram comercializadas ilegalmente foram destruídos, conforme determina a legislação.
A região é conhecida pela riqueza de peixes e belas paisagens, atraindo grupos de pescadores esportivos provenientes de todo o país que se hospedam em pousadas às margens dos rios Kuluene e Sete de Setembro. A homologação da Terra Indígena, feita pela presidência da República em abril, agravou o clima entre fazendeiros, empresários e indígenas, que já não era dos melhores.
Os primeiros acusam a Funai de forçar a criação da Terra Indígena mesmo com a existência desses empreendimentos turísticos, construídos há anos, enquanto os indígenas requerem seu direito à terra ancestral. O Ministério Público da União vem recebendo denúncias desde 2014 e vem cobrando ações enérgicas por parte do Ibama.
Os pacotes turísticos comercializados são caros, com diárias em torno de R$ 650. Há empresários que oferecem ilegalmente a proposta de adentrarem as áreas proibidas com cobrança adicional. Os agentes constataram comunicações entre turistas e empresários em que os turistas alegam que sem essa possibilidade “não haveria graça” na pescaria. Para piorar, em troca de gorjetas, guias de pesca locais se oferecem para fazer uso de petrechos de pesca ilegais, como espinhéis e redes, e assim abastecer o volumoso comércio de pescado local.
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Imagem de satélite, no Google Earth, mostra em destaque a Terra Indígena Pequizal do Naruvotu, ao sul do Parque Indígena do Xingu, rodeada por áreas desmtadas.
Segundo instrução Normativa Funai 03/2005, a visitação em Terra Indígena é permitida desde que haja anuência do órgão responsável, no caso a Fundação Nacional do índio (Funai), e estabelecimento de plano operacional de execução deste. A normativa é clara ao proibir o uso de bebidas alcoólicas, a realização de caça e pesca e o acesso, mesmo que turístico, sem autorização. Porém isso tudo vinha ocorrendo ilegalmente, segundo denúncias do Ministério Público.
De acordo com o Gerente Regional do IBAMA em Barra do Garças, Leandro Nogueira, algumas das pessoas abordadas dificultaram o trabalho dos agentes. Um grupo que estava com motor mais potente tentou fugir, mas a embarcação ficou presa em uma lagoa e foi alcançada.
“Sem contar que as atividades eram realizadas em Terra Indígena sem autorização, constatamos muitas infrações ambientais como pesca sem licença, pescado fora de medida, porte de armas ilegais, animais silvestres abatidos, inclusive fotografias ostentando a prática ilegal de caça”, disse Nogueira à reportagem de ((o))eco.
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Material aprendido devido às infrações ambientais. Foto: Ibama.
Segundo Nogueira, o responsável por uma das pousadas investigadas alega que aguarda indenização pela criação da Terra Indígena Pequizal do Naruvotu e que, por isso, ainda não pode ser retirado do local, nem parar sua atividade comercial. Uma das pousadas chegou a publicar em seu website um comunicado aos clientes informando que o estabelecimento não se localiza na reserva indígena mas que o acesso ao rio Xingu, ainda que alguns indígenas “possam trazer incômodos”, continua livre; e que os indígenas não possuem documentos oficiais que atestem a proibição de acesso. Informa ainda que os empresários das pousadas afetadas pela homologação, juntamente com a  Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), já tomaram medidas judiciais requerendo invalidar a demarcação.
“Trata-se, na verdade, de depredadores destruindo um bem que é de todos", disse Nogueira, ao destacar que em todos os crimes constatados foram localizados instrumentos ilegais de caça ou pesca.
Agentes tiveram apoio dos indígenas ao longo dos três dias de operação. Foto: Ibama.
Agentes tiveram apoio dos indígenas ao longo dos três dias de operação. Foto: Ibama.
História que se repete    
Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), hoje, os Naruvotu somam menos de uma centena. Antigos habitantes das áreas próximas à confluência dos rios Kuluene e Sete de Setembro, os Naruvotu tiveram que se deslocar de seu território tradicional em função do contato intenso com os não-indígenas, especialmente com a expedição Roncador-Xingu, que atraiu vários povos da região do alto Xingu para áreas ao redor do Parque Indígena do Xingu.
Depois das duas grandes epidemias que assolaram a região, em 1946 e em 1954, os Naruvotu foram reduzidos a uma dezena de pessoas que, em busca da sobrevivência física e cultural. Passaram, então, a residir nas aldeias de outros grupos indígenas, como os Kalapalo e os Kuikuro. Indigenistas chegaram a afirmar que os Naruvotu haviam se extinguido.
Somente em 2006 a Terra Indígena Pequizal do Naruvotu foi identificada e aprovada pela Funai. E em abril deste ano, em um dos últimos atos da presidente Dilma Rousseff, a terra foi homologada. Desde então, reclamam empresários e  fazendeiros que se instalaram na região há cerca de 20 anos.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

‘Fica pra depois…’ A rotina de descaso no saneamento da Guanabara

Por Emanuel Alencar*
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A Ilha de Paquetá, um velho ícone da Baía de Guanabara, não tem saneamento. Foto: Wikimedia.
RIO – A Ilha de Paquetá, no meio da Baía de Guanabara, tem oito belas praias. Mas seis delas estão impróprias para o lazer de seus 4.500 moradores na maior parte dos meses do ano. Em dezembro de 2013, o governo do Rio tirou da cartola uma solução para mudar essa rotina: a construção de uma tubulação de 9,5 quilômetros, ligando os dejetos da ilha à estação de tratamento de esgotos (ETE) de São Gonçalo. Uma elevatória com capacidade para bombear 100 litros de esgoto por segundo garantia o sucesso da operação. Parecia uma alternativa estranha abandonar uma antiga estação de tratamento de Paquetá, considerada problemática pela Cedae, e mandar, sob a baía, os esgotos para a cidade vizinha resolver. Mas técnicos garantiam que era a melhor solução possível – a mais barata, certamente.
Dois anos e oito meses depois, a situação é melancólica. A obra, de R$ 34 milhões, foi abandonada antes do término e o governo terá que licitar novamente o trecho terrestre do duto, em  Paquetá. Construída há 18 anos, a estação de São Gonçalo, que receberia o esgoto da aprazível ilha, continua operando com menos da metade de sua capacidade. O projeto estava no calendário de exigências do Comitê Olímpico Internacional (COI) para os Jogos Olímpicos do Rio. Pedi ao presidente da Cedae, Jorge Briard, mais detalhes sobre os motivos do abandono. A empreiteira vai devolver o dinheiro? Não obtive resposta.
"Grandes troncos coletores que irão captar todo o esgoto das favelas da Maré, do Complexo do Alemão, do Jacarezinho e de Manguinhos, na Zona Norte do Rio, sequer saíram do papel."
O caso resume com precisão a lógica que ainda domina nas obras de saneamento na bacia da Baía de Guanabara. Perda de prazos, de dinheiro e falta de transparência são leis por aqui. O resultado não poderia ser outro: aproximadamente 18 mil litros por segundo de esgoto são despejados na Guanabara. As oito estações de tratamento, construídas desde 1998, operam com menos da metade de suas capacidades. Cidades inteiras padecem sem saneamento básico.
Casos absurdos se sucedem. O “deixa para depois” domina. Até obras no coração do Rio de Janeiro sofrem enormes atrasos. Outra intervenção olímpica, o tronco coletor Cidade Nova, que levaria os esgotos de 200 mil moradores de seis bairros até a estação de Alegria, no Caju, está diante de um impasse. A tubulação se deparou, no subsolo, com um projeto imobiliário de uso misto, incluindo shopping, empreendimentos residenciais e comerciais e hotéis, no antigo Gasômetro, ao lado da rodoviária. Não há espaço destinado à passagem do duto – e nem houve espaço para um planejamento adequado.
Grandes troncos coletores (Faria-Timbó e Manguinhos), que irão captar todo o esgoto das favelas da Maré, do Complexo do Alemão, do Jacarezinho e de Manguinhos, na Zona Norte do Rio, sequer saíram do papel. Foram incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, e abatidos, claro, pela crise financeira.
Como avançar nesse cenário tenebroso? O superintende de Planejamento da Câmara Metropolitana da Secretaria de Governo do Rio, Luiz Firmino, defende um modelo de construção de galerias em tempo seco. São estruturas mais simples que capturam o esgoto nas galerias de águas pluviais – uma realidade bastante comum em 16 das 16 cidades que circundam a baía. Essas estações em tempo seco funcionam muito bem... quando não chove.
“Copacabana e Leblon têm, desde a década de 1960, cinturão de tempo seco, que pega tudo o que vêm nas manilhas pluviais. Não há como evitar lançamentos ilegais nas redes pluviais. Venho defendendo um cinturão metropolitano de esgoto, que interceptará em tempo seco os esgotos das galerias”, defende Firmino. “No entorno da baía há as estações de tratamento de esgotos prontas. É possível rapidamente interceptar o esgoto da Maré, por exemplo, e mandar pras estações. A questão não é abandonar a rede formal, separando água e esgoto. Mas avançarmos, etapa por etapa. A fase A, inicial, seria esse sistema de tempo seco. A Lagoa de Araruama só foi recuperada por causa desse sistema em tempo seco”.
A formalização de um novo ente para discutir as políticas de saneamento é objeto de um projeto de lei que está na Assembleia legislativa do Rio. Cada cidade tem um peso diferente nas assembleias, o que já vem causando impasses.
*Emanuel Alencar é autor do livro “Baía de Guanabara – Descaso e Resistência”, cuja versão impressa pode ser comprada aqui, ou ter o seu PDF baixado aqui
Mapa Ilha de Paquetá

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Em busca de privacidade, rãs escolheram a terra para acasalar

Por Vandré Fonseca
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Scinax alcatraz, espécies deposita ovos em água acumulada em bromélias. Fugir do curso principal de água pode ser uma estratégia para evitar a concorrência de outros machos. Crédito: Kelly R. Zamudio, Cornell University.
Scinax alcatraz, espécies deposita ovos em água acumulada em bromélias. Fugir do curso principal de água pode ser uma estratégia para evitar a concorrência de outros machos. Crédito: Kelly R. Zamudio, Cornell University.
Manaus, AM -- Fugir da água para acasalar é bem mais seguro, como já imaginavam os biólogos. O que eles ainda não tinham se dado conta é que os antepassados de anfíbios que vivem hoje fugiam dos principais cursos d'água também para escapar da concorrência de outros machos e garantir que os descendentes carregassem o seu DNA. A descoberta foi publicada na revista The American Naturalist, por pesquisadores brasileiros e americanos, esta semana (26 de julho).
“Além de evitar predadores aquáticos, o benefício de depositar seus ovos na terra longe do corpo principal de água -- se você é um sapo macho -- é que você mantém a fêmea longe do frenesi reprodutivo onde há centenas de outros machos, todos competindo por acesso às fêmeas”, afirma a bolsista de pós-doutorado Rayna Camille Bell, da universidade UC Berkeley, uma das autoras do artigo.
A conclusão veio depois dos pesquisadores analisarem o tamanho dos testículos de espécie tropicais de rãs de dois grupos diferentes, Hylidae e Leptodactylidae. Eles imaginaram, e depois confirmaram, que machos sujeitos a uma concorrência mais feroz devem ter testículos maiores e de tamanhos mais variáveis, a exemplo do que acontece com outros animais cujos machos enfrentam grande disputa para encontrar uma companheira.
Algumas espécies de rãs, por exemplo, acasalam na água guardada em folhas de bromélias. Há casos até em que machos constroem ninhos de barro, em forma de vulcão. Rayna Bell e colaboradores acreditavam que, se a busca por segurança de ovos e girinos era o principal fator de evolução para a reprodução terrestre, eles deveriam encontrar também outras estratégias para proteger os futuros filhotes. Ele descobriram que não essa isso o que acontecia.
Conforme as pesquisas demonstraram, a maior parte da diversidade de estratégias de reprodução envolve a fase de ovo, que mesmo em terra estão susceptíveis a predadores. Além disso, os girinos rapidamente buscam águas perigosas. Esse padrão, na visão dos responsáveis pelo artigo, indica que a seleção natural age de forma diferente quando se trata de proteger os ovos ou os girinos.
"Os trópicos têm a maior diversidade de espécies de anfíbios, bem como a maior diversidade e complexidade nos modos reprodutivos das rãs", destaca Rayna Bell, "Mas nós sabemos o mínimo sobre a biologia, comportamento e diversidade destas espécies tropicais, embora muitas estejam ameaçados e só agora algumas estejam sendo descobertas”, completa.
A pesquisa foi financiada por doações e bolsas da National Science Foundation, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Universidade da Califórnia.